Mais vez em um ônibus, mais uma vez exausta. Reparei em uma menina que subia. Nada nela me chamou atenção, ninguém poderia ser mais comum, apesar de alguns traços marcantes. Os cabelos eram loiros, lisos e curtos, o rosto era largo e levemente agressivo, o corpo era enorme, alta, um tantinho gorda, seios fartos, coxas grossas. Nos dedos uma tatuagem que parecia ter sido feita em uma penitenciaria: MORTE E VIDA. Não sorria não cumprimentava, sentou-se ao meu lado, escutando musica no fone de ouvido. Ela não pronunciou uma palavra, mas a sua presença realmente me incomodou.
Um tempo depois quando nem lembrava mais daquela menina, tive a oportunidade de conhecê-la.
Uma amiga me levou a um abrigo de idosos, e eu com toda minha hipocrisia cristã e preconceituosa fui. Lá tinham vários voluntários, um deles era ela, Pamela. O trabalho dela não era dos mais bonitos, ela trocava as fraldas dos idosos. Fiquei um tanto enojada quando a vi desempenhar seu trabalho, até que entramos no quarto de uma idosa que toma fortes remédios, e passa mais tempo dormindo do que acordada. Sem acorda-la, Pamela que me parecia a pessoa mais agressiva do mundo, pediu licença antes de despir a senhora, limpou com toda a delicadeza para não acorda-la, a vestiu e deu um beijo em sua testa, o que até aquele momento eu não tinha reparado que ela fazia com todos.
Passei o dia naquele lugar e com o tempo fui me maravilhando com Pamela, tanta docilidade em cada gesto que eu senti vergonha das vezes que fui à igreja me fingir de boa moça. Sentaram-se para lanchar e eu me aproximei da mesa dela e sentei. Ela me olhou e acho que reparou que já havia me visto antes, perguntou num tom agressivo o que eu fazia ali, disse que reparou que eu olhava trabalhando e mais do que violenta disse que estava cansada das pessoas que vinham apenas olhar e achavam que tinham feito sua parte por um mundo melhor. Assustada eu olhei e disse que a admirava, aquelas palavras pareceram liberta-la de algo, aquela crosta de raiva em seus olhos se desfizera e ela não me parecia mais agressiva. Ela sorriu e falou:
- Perdi a minha mãe na mesma situação que esses idosos, eu trocava as fraudas dela. Era tudo o que eu fazia, não falava com ela, não abraçava, apenas trocava as fraudas e dava um beijo na testa. Quando ela finalmente partiu, senti uma dor horrível, eu preferia passar o resto da vida trocando suas fraudas a perdê-la, então resolvi vir pra cá, me sentir um pouco mais perto dela.
Aquelas palavras me fizeram ver o quão ridículo é você dizer todos os dias que ama alguém se o mais provável é que jamais teria coragem de cuidar dessa pessoa quando o mundo a esquecesse.
Sei que poucos trocariam uma frauda, ou escutariam as broncas, ou observariam as caduquices. Será que é tão difícil assim demonstrar amor até trocando frauda? Será que é impossível ouvir, cuidar, proteger, amar, se aproximar de alguém que com toda certeza já fez isso muito mais que você, ou se não fez, ensinar no fim da sua vida, como é receber e dar amor?
Oi Suellen, nossa eu adorei o texto! Muito bom mesmo, parabéns!
ResponderExcluirVou seguir. Beijos
Carina. http://aguriademoletom.blogspot.com.br/